Saturday, January 13, 2007

Governança Mundial

por Helio de Araujo Evangelista,
professor de Geografia na Universidade Federal Fluminense
Fonte: http://www.feth.ggf.br/Opiniao1.htm

Texto 1

Vivemos uma época demarcada pela profusão de eventos, acontecimentos, circunstâncias que apresentam uma grande velocidade; e tal dinâmica está permeada por uma avalanche de ideários relativos a modos de vida, sensos comuns, costumes, etc.

Porém, tal processo hodierno não deixa de gestar um gradativo processo político em direção à Governança Mundial. Tal Governança já teria atingido uma rede regular de relações comerciais e econômicas entre os mais importantes países e empresas do globo terrestre; faltando, no entanto, uma dimensão política-institucion al para este governo.

Esta Governança há de ter uma feição institucional, uma sede, uma representação legítima, para, enfim, acelerar o processo da globalização, que ora assistimos. No entanto, este objetivo não é tão fácil de ser alcançado, pois o próprio inclui uma transformação cultural global a ponto de se ter uma legitimidade política para tal estabelecimento.

Assim, pela primeira vez na história humana há condições de se estabelecer um governo envolvendo todo o planeta, e a cultura, enquanto referência para se estabelecer as metas desta macro sociedade, desempenha um papel nevrálgico.

Texto 2

Tal transformação cultural, por sua vez, passa por uma superação de costumes, valores e ideologias de modo que as bases de uma legislação comum possam ser compartilhadas por diferentes povos.

Na consecução desta renovação axiológica, por sua vez, encontra-se o papel da mídia.

O recurso de combinar imagem e som com fatos do cotidiano tem o efeito de tornar a TV o canal mais privilegiado de comunicação, exigindo o menor esforço possível por parte das pessoas. Logo, os agrupamentos humanos, mesmo com grande interação com o entorno, dado o efeito da mídia, têm sua motivações discursivas, nas conversas habituais, sugeridas pelo meio de comunicação, é como se o encontro humano estivesse conduzido por parâmetros vindos por imagens, notícias, etc. promovidos pela televisão.

Esta linguagem pavimentaria não só visões homogêneas de vida, mas, também, a receptividade às normas comuns, legais ou não, de controle da sociedade. Logo, o arrebanhamento que configure a finalização das particularidades, regionalidades, e aspectos locais, etc. podem ser vistos como condição sine qua non para se viabilizar novas formas, abrangentes, de controle social.

No entanto, é interessante notar que esta expansão do controle social é bem recebida, pois aparenta ter a forma de liberdade de expressão; é visto como um processo que visa melhorar a vida dos cidadãos, melhorar o seu grau de trocas, contatos, informações, etc.

Mas, o que ocorre, de fato, é que por trás disto temos o controle da informação, a rigidez das trocas, e o enrijecimento dos contatos. Pois todo o aparato se dá numa forma tão tecnificada, e cara, que só a alguns é possível o usufruto e o assenhoramento dos equipamentos que permitem um direto acesso a formação da opinião pública.

Texto 3

Nossa cultura é marcada pela imagem, não é marcada pelo raciocínio ou lógica expressa por um parágrafo, mas por algo que marque, se destaque pela excepcionalidade em termos de imagem.

Para analisar este enfoque sobre os meios de comunicação, tendo em vista a transformação cultural, entendemos ser necessário ressaltar o desvendamento do corpo humano sobre o qual é enfatizado o seu sentido estético e erótico.

Cabe aqui indagar, se este processo de formatação do Governo Mundial não teria na questão sexual um elemento de ponta na veiculação das mensagens da mídia que corroborariam na homogeneização dos valores culturais. A sensualidade ganharia campo como um elemento a forjar novos padrões culturais, uma maior licensiodade frente aos ditames morais e religiosos.

A universalidade inerente ao sexo propicia um tipo de mensagem que atinge a todos aqueles vinculados pelos meios de comunicação. Além disso, o próprio tem uma vasta capilaridade na nossa psique, psicologia, moral, costume e ética. Deste modo, a roupagem sexual nos programas, mensagens, anúncios, viabiliza uma abrangência da mensagem, assim como uma rapidez de resposta.


A disseminação dos conteúdos sexuais tem o poder de configurar, gradativamente, por imagens e clichês, certos signos referentes a relações de poder, relações de auto-identificação e de afetividade junto à sociedade.

O conteúdo erótico passa a ser tão generalizado que as formas de sua veiculação adquirem novos aspecto. Se, por exemplo, Toulouse-Lautrec representava em seus quadros a vida boêmia da velha Paris do séc. XIX, quando o Moulin Rouge era uma das grandes vitrines da sensualidade, chegando, não raro, a ser vilipendiado e combatido; hoje, casas deste gênero perdem expressão enquanto principais capitaneadores do processo de exposição do corpo.

Parece-nos útil, afinal, considerarmos que correlato a esta cirurgia do campo relacional sexual, gesta um processo político, de ampla escala, que visa o monitoramento das relações sociais sem que isto signifique uma perda significativa na mobilidade e produtividade humana.

Ao invés das pessoas estarem mais próximas, estão mais separadas. Pois os diversos contatos, olhares, conversas, não são suficientes para torná-las seguras quanto ao seu entorno; pelo contrário, dado a avalanche de aspectos, acontecimentos, fatos novos, etc. a pessoa cultiva como perspectiva a apatia, como aspecto a acompanhar o seu horizonte de vida, esta atua até mesmo como uma forma de proteção da própria pessoa. Logo, são contatos sem encontros.

Texto 4

O processo de governança mundial exige um duplo encaminhamento, a saber: a) de um lado, tornar a pessoa isolada, sem a possibilidade de auto-identificaçã o, a menos que isto ocorra “à luz da mídia” ; b) de outro lado, proporcionar uma grande rapidez de contatos entre pessoas (= através dos diferentes aparelhos de comunicação) a ponto de gerar uma certa “anestesia social”, ou seja, inculcar a dimensão de agrupamentos (uma aldeia global), sem uma identificação mútua, sem condições de um auto-reconhecimento .

Cabe notar, no entanto, que este novo estilo de controle social adquire vulto recentemente. Se, no passado, sempre ocorreram tentativas expressas de se controlar a opinião para viabilizar relações de poder, este controle, no entanto, não era de todo suficiente, havia de vir correlato à força. Atualmente, o ato de forjar a opinião pública, via mídia, é mais impactante, e menos necessário de expedientes físicos (policial/militar) no controle.

Texto 5

Provavelmente, a visão mais enfática que podemos ter sobre a dimensão que a questão sexual assume em nossos dias vem a ser dada pela expansão da AIDS.

No Brasil, num espaço de vinte anos, já foram diagnosticados, oficialmente, mais de duzentos mil casos, sendo que há dez anos atrás não tínhamos trinta mil casos, e há vinte anos atrás mal chagávamos a mil casos (dados obtidos junto ao ministério da Saúde); pois bem, mesmo diante deste fato dramático, não há qualquer política que venha minorar o efeito que a mídia possa ter neste processo! Não parece ser adequado desconhecer o poder das imagens no endosso da ambiência sexista que se verifica hoje. Ou seja, o poder da mídia, na sua desenfreada busca por audiência, atropela qualquer noção ética quanto aos efeitos que seus programas possam ter sobre as pessoas.

Outro aspecto que chama a atenção sobre a dimensão que a questão sexual assume nos dias de hoje, embora ainda não tenha grande expressão no Brasil, vem a ser aquele representado pelo movimento Orgulho Gay. Reparem que se trata de um movimento que envolve milhares de pessoas cuja pauta de reivindicação não está calcada em luta contra fome, exploração dos países pobres, etc., mas sim em ter uma opção sexual distinta. É transformar algo de índole particular, afinal o homossexualismo não é de hoje, num instrumento de alteração do comportamento cultural das pessoas até atingir a base jurídica que organiza estas mesmas pessoas. É tornar algo, o sexo, como elemento norteador de como se organiza a sociedade, à revelia de tradições, costumes, e aspectos religiosos.

Mas, qual o problema em termos uma acentuada ambiência sexista ? Por que não adotarmos o homossexualismo? ...

O problema está exatamente nesta argüição, ou seja, tudo deve ser considerado válido? Não havendo referências?

O problema é que a morte nos encerra num desafio que exige de nós uma resposta maior que esta: tanto faz, como tanto fez.

Diante do dilema da morte, cabe o resgate do significado que o corpo possa ter para nossas vidas; este tanto pode vir a transmitir a vida, como ser meio para comunicar afeição.

Texto 6

A afeição na relação sexual pressupõe a procriação embora tal pressuposto não possa ser considerado como a razão exclusiva da relação. A afeição na relação pressupõe a disposição de que o ato se prolongue, que tenha desdobramentos, não fique restrito a um momento; neste sentido, a procriação é, por excelência, a melhor expressão das conseqüências de uma relação afetiva/sexual.

Porém, no nosso tempo, a procriação é, não raro, concebida como meio para substituição de estoque, ou seja, para um casal convém ter um par de filhos, se possível um outro casal. E, não raro, tal raciocínio não decorre da ausência de meios materiais para ter mais filhos, mas sim em função de um modelo de vida no qual filho é entendido como despesa inútil. Não raro, a possibilidade de se contar com uma casa de veraneio e/ou ter a possibilidade de se viajar regularmente passa a ser mais valorizado do que ter mais filhos do que o indicado para substituição de estoque.

Reforça-se o modo de vida no qual a realização pessoal passa por aquilo que se possa ser demonstrada. Há um esforço de serem notadas, as pessoas procuram a notabilidade, seja esta alcançada pelo carro, casa, manchete, etc. Não deixa de ocorrer um certo narcisismo, pelo qual a sua imagem é que figura em primeiro lugar em termos de preocupação. Há uma certa inversão, no qual os bens e a própria fama em vez de serem meios passam a ser fim, promovendo o sentido de vida de várias pessoas.

Por este modo de vida, o filho não é visto como uma realização afetiva. Cada filho que chega não é tido como um abraço a mais, um sorriso a mais, uma vida a mais! Naturalmente que não estamos aqui advogando a tese de se estabelecer uma verdadeira zootecnia, pela qual a função da mulher seria a de gerar filhos anualmente; mas, destacar que o empobrecimento afetivo do nosso modo de vida que nos regula faz com que algo tão natural, o ato de procriar, seja tido como um verdadeiro absurdo, quando ultrapassa o que foi programado para substituição do estoque! Havendo com isto um notório processo de “infelicitamento” generalizado, pois há anseios que os breves momentos de prazer de uma viagem, ou os tijolos de uma grande, ou ainda os ferros fundidos do motor do carro do último modelo não são satisfeitos, a não ser através do outro (que nos compreenda e que nos queira)!

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