“Toda a tese
de David Bakan é de mostrar que a psicanálise é, em verdade, largamente
derivada dos métodos da cabala judaica. Nela
se encontra essa corrente mística do judaísmo, a qual teve realmente seu desenvolvimento
no século XIV, e que suscitou pelo seu séquito certas heresias ariscamente
combatidas pelos rabinos, se perpetuou e alguma espécie se estabilizou na
morada dos judeus hassídicos, que são hoje os herdeiros dessa tradição
esotérica.
(...)
Os métodos
dos cabalistas, segundo ele, puderam inspirar o procedimento
psicanalítico. Encontram-se, registra
ele, que o método freudiano da interpretação dos sonhos, que consiste em
extrair cada elemento de seu contexto, corresponde também exatamente à «procura de sentidos escondidos ou mais
profundos da Torah». Os cabalistas,
prossegue ele, interpretam a Torah «de uma maneira que parece assombrosamente
àquela da interpretação psicanalista das confusões e divagações da expressão humana». Segundo ele, Freud «queria nos informar que
na psicanálise analisava-se um ser humano como os judeus haviam, durante
séculos, analisado a Torah».
(...)
«Freud não limita essas considerações aos
sonhos; no mesmo parágrafo, diz Bakan, ele continua dizendo daquela maneira que
esse retorno em seu contrário é também empregado na mensagem social. Se, de acordo com Freud, o contexto parece
corroborar uma interpretação pelos contrários, como parece nesse caso, então a
afirmação de Freud que ‘Moisés [...] foi um egípcio cujo povo havia necessidade
de fazê-lo um judeu’ pode ser formulada de modo mais claro por: Moisés era um
judeu que Freud teve necessidade de fazê-lo um gentio».
David Bakan estabeleceu
aqui sua tese segundo a qual Freud é um herdeiro dos sabbatianistas, cujo um dos
princípios, em sua tendência radical, era de pegar sistematicamente o contrapé da
Torah e efetuar tudo o que nela era proibido.
Esses judeus cabalistas eram, então, caçados, excomungados pelos rabinos,
mas sabe-se que na Europa Central, e particularmente na Polônia e na Morávia,
precisamente, os sabbatianos haviam adquirido posições sólidas no seio do
judaísmo. Para David Bakan, o
procedimento freudiano é, então, «o acabamento final do sabbatianismo». É seu modo pessoal de cumprir a apostasia
sabbatiana.
Não é um acaso o primeiro livro de Freud
concernir à Ciência dos sonhos. Nas
antigas comunidades judaicas, as obras mais pedidas no mercado de livros
ambulantes, nos dias de feira, se encontravam justamente as Chaves dos sonhos,
que davam o significado de todos os sonhos.
«A chave dos sonhos de Solomon B. Jacob Almoli e Pitron Chalomot era um
dos mais procurados» escreve Bakan. «O tratado Berakoth, um dos menos
legalizados do Talmud, esconde uma das mais vastas exposições sobre os sonhos e
sua interpretação da literatura rabínica.
Através dos séculos, ele servia de guia à interpretação dos sonhos».
Freud, então, seria então largamente
inspirado nessas leituras, e Bakan registra sobre esse assunto: «a semelhança
fundamental entre seus métodos e aqueles empregados na psicanálise já foram
reconhecidos na literatura psicanalítica.» Nós achamos nela efetivamente bem
traços fortes próximos à teoria psicanalítica. Assim, o Berakoth entrega essas
explicações: se uma pessoa tem um sonho de ter regado as olivas com o azeite: «ele
se trata de alguém que terá coabitado com sua mãe». Se uma pessoa tem um sonho
que «seus olhos enlaçam um no outro, é «que ele coabitou com sua irmã». E se
uma pessoa sonhou abraçar a lua, é que «ele cometeu um adultério». Os sonhos, segundo o Berakoth, vê-se, têm um
significado sexual e são o cumprimento de um desejo. E se pode também constatar com David Bakan
que a questão do incesto parece lancinante naquela comunidade.”
(“Psychanalyse du Judaïsme”, Hervé Ryssen, Éditions Baskerville, 2006,
pp. 343-346)
“A psicanálise atribui à sexualidade uma
importância toda particular. Segundo
Freud, em efeito, todas as desordens neuróticas, mas também as diferentes
manifestações da atividade humana, a criatividade artística como toda
realização pessoal, seriam explicáveis, de uma maneira ou de outra, pela
sexualidade.
Sobre esse capítulo, é necessário ainda
constatar que Freud mal teve de abandonar seu judaísmo, acredita David Bakan,
que prossegue sua demonstração sobre as origens cabalísticas da psicanálise: «a
concepção da sexualidade como a fonte de toda energia impregna o Zohar e
encontra seu paralelo na doutrina freudiana da libido, escreve ele. Assim, o emprego por Freud da linguagem
sexual para exprimir os mais profundos e maiores problemas da humanidade é
plenamente o espírito da Cabala». Bakan conta também que «os
místicos judeus, contrariamente aos outros ascetas místicos, atribuem a
sexualidade ao próprio Deus. O cabalista
judeu via nas relações sexuais entre um homem e sua mulher a realização
simbólica da relação entre Deus e a Shekhina».
Note-se aqui que, para os judeus, a forma
ideal da sexualidade é concebida como heterossexual e realizada em particular
no casamento, desde que a vitalidade seja atribuída ao elemento macho. O conceito da bissexualidade, gerador de
neurose, é quanto a ela transferida sobre o goy, que é convidado a se entregar
a todas as experiências «liberais»."
(Idem, p. 369)